Há bastante tempo um problema se apresentava nos festivais de publicidade: campanhas e peças fictícias eram criadas apenas com a finalidade do prêmio, sem nenhuma subordinação e total liberdade criativa. Apenas uma ideia legal, que ganhou tempo e verba para ser produzida e inscrita.
Acontecia que estas belezinhas concorriam com trabalhos de verdade, que passaram por todo o perrengue imposto pela profissão: um problema, um briefing, um público definido, a busca por uma ideia adequada, apresentação, aprovação (ou reprovação), viabilidade técnica, até a consagrada veiculação. Aí é covardia, né? Um dos principais combatentes dessa prática é o Washington Olivetto, que chama isso de “publicidade fantasma”. Tanto esperneou que, em vários desses festivais, foi eliminada a possibilidade de inscrever peças não veiculadas.
Não, portfolio não é fake
Contudo, longe destes circuitos onde paira o glamour e rugem leões, está o nosso dia a dia e, nele, cada vez mais presente o fake design: projetos que só existem nos sites de “inspiração”, criados como exercício criativo puro, mas apresentados como se fossem trabalhos aprovados por clientes reais. Não me refiro a sites de portfolio (como Behance, por exemplo). Lá são mostrados trabalhos reais e experimentais, para uma comunidade específica e com uma descrição coerente com a realidade (projeto acadêmico, proposta, projeto para marca tal, etc). Obviamente, estou procurando ter cuidado para não ser mal compreendido por bons profissionais que publicam seu portfolio online.
Muito diferente disso são certos blogs e sites sobre marketing e design (do Brasil e do exterior), que destacam ideias experimentais, sabe-se lá de onde, como notícia, o que leva ao entendimento de que são produtos, marcas ou campanhas realmente implementadas – o que definitivamente não condiz com a realidade. É esta prática que considero equivocada, injusta e fake.
Inspiração fake
A internet está cheia de exemplos. A maioria dos sites de “logos” é puro fake design. Você olha aquela galeria de marcas criativinhas e pensa: “Nossa, como eu nunca fiz uma coisa dessas?”. Bem, provavelmente é porque nenhum cliente chegou para você criar a marca de uma empresa sem sentido inspiradoramente chamada “Gravadora Peixe Lápis”. Claro que seria lindo unir um disco, um peixe e um lápis em uma “marca”. Mas nem de longe isto se pode chamar design, pois é o inverso de um projeto: é um pós-jeto. Primeiro o “gênio” encontra casualmente a familiaridade entre alguns desenhos que poderia unir (metade peixe, metade lápis, em cima de um disco) e, por fim, despeja um lettering que só descreve o desenho. Não seria fake se este tipo de exercício criativo fosse apresentado como experimental, estudo, algo assim. Mas a ideia sempre é fazer de conta que aquilo existe, para valorizar o autor da genial ideia.
Como marcar 38 gols em uma só partida
“Mas qual é o problema?” – poderão perguntar. “Se a pessoa foi capaz de criar algo muito legal com liberdade total, ela poderia ter feito o mesmo para um cliente.” Acontece que na atividade profissional liberdade “total” não existe. Mesmo dando carta branca à agência, o cliente pertence a um determinado segmento, e este já é o primeiro delimitador. É como um jogador dizer que marcou 38 gols em uma partida – mas sem dizer que não havia time adversário e que ele estava numa tarde sozinho no estádio. Pior: sair isso no jornal do dia seguinte. É assim que certos blogs subestimam todo verdadeiro processo de criação e transformam mera ficção gráfica em notícia.